É… A minha imagem, de mulher com cabelos brancos, com mais de 60 anos, um sorriso largo e que passa aquela idéia maternal, pelo meu tipo físico gordinho, não se enquadra no perfil que a sociedade em geral introjetou como sendo de uma pessoa com HIV ou Aids. Ninguém imagina uma avó com Aids…
Ninguém imagina sua própria mãe com Aids e é este sentimento que eu acho que a minha imagem provoca nas pessoas. Eu sou uma pessoa tão igual a qualquer mãe que as pessoas se chocam quando eu afirmo:
EU SOU UMA MULHER VIVENDO COM HIV!
Portanto, eu, como ser biológico, sou exatamente igual a qualquer pessoa soropositiva ou doente de Aids; mas, a Beatriz, como imagem de mulher/mãe/avó com Aids é uma “chacoalhada” profunda nas arraigadas idéias preconceituosas que negam que a Aids é para todos! Nisto, eu tenho me sentido diferente…
Antes do meu diagnóstico, eu me considerava uma mulher com a vida “perfeita e acabada”. Já casara, tivera meus filhos, me formara em Direito, havia trabalhado 30 anos, me aposentara, portanto, gozava, em casa, os frutos do término de meu ciclo vital: o desenvolver da vida de meus filhos e o nascimento de meus netos. Naquela oportunidade, poucos planos eu tinha. Nunca tinha tido uma vida pública, sempre havia sido uma pacata mulher do lar e trabalhando para a família. Minha vida restringia-se às paredes de minha casa. Imaginem, eu era uma mulher comum, de dentro de casa, e este vírus me impeliu a me expor à opinião pública em nome de uma luta!
É interessante… é uma vitória e uma superação.
É lógico que enfrento críticas, principalmente de pessoas do meu meio social, tipo “ela quer aparecer”!
Aparecer?
Com Aids?
Ainda não é tão simples…
Mas, deixa para lá!
O que eles pensam não me preocupa mais, pois já não tenho mais nada a perder!
Quando do diagnóstico, pensei, no primeiro momento, que tudo terminara em definitivo. Imediatamente me desfiz das coisas que eu mais gostava, passando-as aos meus filhos. Afinal, eu não ia precisar mesmo… Hoje em dia, tenho consciência dos cuidados que tenho que ter com a minha saúde, mas tenho consciência também que a minha vida não vai terminar tão logo, portanto passei a aprender a VIVER com o HIV e exorcizei a idéia imediata de morte!
Mas, o que a Aids fez em minha vida?
A Aids não me encheu os bolsos (pelo contrário…), me trouxe grandes amigos, levou outros para sempre de meu convívio, deixou minha saúde mais frágil, fortaleceu minha personalidade, meu espírito e minha alma, tornou-me quase uma pessoa pública, universalizou o meu amor pelas pessoas, engrandeceu o meu conhecimento da vida e me tirou de uma pedestal de “madame”, me tornando uma pessoa inteira!
Realmente, consegui!
Fiz do limão, uma doce limonada!
E, agora, um recadinho para quem recebeu agora a notícia de que é portador do HIV:
Em um primeiro momento, procure ficar calmo. Posso lhe afirmar que “há vida depois do HIV” e que esta vida pode ter qualidade. Peço-lhe que não assuma a marginalidade que a sociedade quer impor às pessoas com HIV, pois o vírus não muda a nossa história.
Continuamos a ser as mesmas pessoas que éramos!
Não nos tornamos criminosos, pecadores ou delinquentes por estarmos infectados. Não ficamos nem melhores, nem piores do que já éramos!
Procure um bom médico infectologista, e siga as prescrições dele, corretamente. Principalmente, não fique sozinho!
Busque contato com outras pessoas soropositivas, em grupos de auto-ajuda, para conhecer um pouco mais o mecanismo da doença e exorcizar o medo dela.
E, por fim, o mais importante, siga o ensinamento cantado pelo Gonzaguinha:
Vá viver… e não ter a vergonha de ser feliz!
PS: Eu falo “uma Avó com Aids” porque sou, sim, um caso de AIDS registrado no País.